Talk Radio

Published on abril 10th, 2016 | by Katia Suman

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Talk Radio – Cinthya Verri e Katia Suman + Deb Xavier – 22.03.16

a convidada desta edição  do Talk é Deb Xavier da Jogo de Damas e o papo rolou fluido sobre feminismo, mulher, trabalho, machismo, corporações, poder e muito mais.

Mas o relato mais incrível para servir de contraponto a esse programa aconteceu depois dele. A Cinthya Verri postou no instagram dela e reproduzimos aqui. Depois de tudo o que conversamos, bastou sair à rua para ver que as coisas ainda estão longe daquilo que queremos.

 

 

@cinthyaverri

COVARDIA-A-DIA

 

Então saio de um ótimo Talk Radio. Todas as terças, eu e a Katia Suman falamos com a delícia da liberdade de nossa amizade na Rádio Elétrica. Em especial no mês do dia internacional da mulher, temos revisto e debatido e crescido no que pensamos sobre viver o gênero feminino. Hoje, debatemos com a Deb Xavier as questões do empreendedorismo feminino. E a ONU mulher. E a tecnologia e a mulher. E a maternidade e o trabalho. E nosso choque diante do fato do colégio da filha da Katia ter convidado as meninas a comparecerem de blusa rosa e batom no dia 08. E nosso espanto sobre a necessidade de debater o uso do shortinho no Anchieta e a beleza de mulheres unidas em busca do direito a se vestir como quiserem.

Eu não estou de shortinho. Estou de saia branca e de camisa preta com pequenas flores brancas. Não estou de batom. Tenho uma caveira na pulseira. Estou de salto, não muito alto. Estou andando na rua e estaciono meu carro. Desço para caminhar duas quadras até meu consultório para ir trabalhar. Atrás de mim, soa uma voz embargada e forçosamente sexualizada que linda essa tatuagem. Viro mal encarada mas o sujeito me venceu no quesito. Tinha muito mais malacara. EU NÃO ESTOU OFENDENDO, SUA NOJENTA, EU ESTOU TE ELOGIANDO. Apresso o passo do sapato que agora me pesa em vulnerabilidade. Talvez por entender minha solidão na calçada, minha solidão entre os carros engarrafados, minha solidão de mulher desarmada, de mulher de saia, de mulher de salto, minha solidão de mulher tacos no piso irregular, o homem aumenta o tom SUA MAL HUMORADA, SUA PUTA. Mais minha solidão avançando e o homem também quando dobro a esquina. Nenhum dos costumeiros guardadores de carro, onde está Rodrigo que sabe até a minha placa, onde estão os motoqueiros da Garra, VAGABUNDA, os seguranças do restaurante, cadê Renato, meu amor, armado até os dentes de raiva contra esse tipo de covardia, cadê meu irmão mais velho, VACA, cadê minha dignidade, meu direito de andar em silêncio, VADIA, cadê meu direito de ir trabalhar, de ser uma pessoa inteira? NINGUÉM TE COME e eu torci apenas para não torcer o tornozelo.

Torci para que o tipo não me alcançasse, para que ele não me agredisse fisicamente, torci para chegar, para chegar logo, torci para entrar na portaria, PUTA, torci o nó na garganta, torci para sumir da via pública, para sumir desse mundo que é violento demais para uma mulher andar duas quadras de saia branca e camisa preta e salto não muito alto.

Chego chorando, no elevador minha cara mais branca que o tecido no espelho e o medo de sair na rua outra vez.

Digam o que quiserem: nenhum homem sabe o que é isso. Nenhum homem jamais saberá o que é ser uma mulher e a coragem exigida de nós todos os dias.

Vou continuar calejando meus tornozelos. Vou continuar usando saia. Vou abraçar minhas irmãs de shortinho. Vou continuar sendo o incenso no vento. E vou contar para todo mundo o que acontece comigo para que nenhuma de nós passe frio na linguagem.

Então, saio de um ótimo Talk Radio. Mais uma boa tarde sendo uma mulher nas ruas de Porto Alegre. (Aproveita e diz que pedi por isso quando escolhi essa roupa. Quero saber quem são esses homens que não estão ofendendo, mas elogiando. Diga que colégio não é lugar de shortinho e que lugar de saia não é na rua.)

 

 

 

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